domingo, 5 de outubro de 2008

Entrevista Ronaldo Pacheco

Ronaldo Pacheco
Recentemente, Ronaldo Pacheco escreveu o texto 'Desculpas ao esporte e aos atletas Brasileiros' que teve grande repercussão porque abordava de forma corajosa os problemas do esporte brasileiro. Com suas idéias, o professor desperta em todos o senso de cidadania e a vontade de fazer um país melhor e mais justo.Nascido no Rio de Janeiro e residente em Brasília desde pequeno, Ronaldo graduou-se em Educação Física pela Faculdade Dom Bosco, tendo feito mestrado na mesma área. Especializou-se em Psicologia do Esporte. É professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal, cedido à Universidade de Brasília, e professor da Universidade Católica de Brasília. Trabalhou com basquetebol em todas as categorias - de mini a adulto -, nos gêneros masculino e feminino, com vários títulos conquistados em Brasília, tendo em 2007 recebido a Medalha de Mérito Desportivo do Distrito Federal, por fazer parte, como auxiliar-técnico da equipe Universo/BRB que conquistou o título brasileiro de basquetebol na temporada 2006/07.

Você se tornou conhecido em todo o país por causa da carta aberta aos atletas brasileiros. Uma verdadeira reflexão sobre o que se faz pelo esporte no Brasil. O que o levou a escrever o texto?
O texto foi feito como um desabafo ao ver os atletas pedindo desculpas pela não obtenção de medalhas. Quem conhece o esporte no Brasil, sabe das inúmeras dificuldades que esses atletas passam. Fiquei atormentado com aquelas cenas e resolvi escrever para desabafar um pouco o que senti naquele momento.

Qual a repercussão entre atletas e dirigentes? Eles entraram em contato?
Recebi carta de vários ex-atletas que foram solidários com as idéias contidas naquele texto. Recebi também de vários técnicos, alguns inclusive que já estiveram em Olimpíadas, concordando com o quadro ali descrito. Em relação aos dirigentes, apenas um presidente de federação se manifestou concordando com algumas idéias, porém um pouco indignado com a afirmação de corrupção dos dirigentes que é colocada na Carta. Dos órgãos representativos nacionais, nenhuma manifestação apesar de eu ter conhecimento que a carta chegou a vários deles.

O brasileiro vê no esporte uma oportunidade de festejar a sua nacionalidade. Mas ele tem, realmente, o que festejar em relação à política esportiva do país?
Em relação à política esportiva ele não tem o que comemorar porque na verdade ela não existe. Existe política no esporte (e na maioria das vezes a política na sua forma negativa), mas não uma política para o esporte. A única coisa que o brasileiro tem para comemorar é o talento e a garra dos seus atletas que apesar da falta de infra-estrutura ainda consegue se colocar entre os melhores do mundo.

O Brasil é o país do esporte? Sabe aproveitar as escolas e os espaços que tem para o aproveitamento de seus atletas e a socialização por meio da prática esportiva?
O povo brasileiro é apaixonado pelos esportes, no entanto talvez, eles não conheçam a maioria dos esportes porque o futebol acaba ocupando quase todo o espaço da mídia. Em relação às escolas temos um problema da falta de instalações e de material esportivo. Além disso, a pouca valorização desta disciplina por parte da comunidade escolar. O desconhecimento dos principais objetivos da educação física tem criado um quadro de descrédito dentro da escola. Isso tem feito com que muitos professores se desmotivem e passem a ministrar uma educação física de baixa qualidade. O que também não se justifica. Muitos professores são preparados nas faculdades a utilizar apenas o esporte como instrumento da educação física, e o esporte numa perspectiva da formação de atletas. Este não deve ser o objetivo precípuo da educação física. Pode ser uma conseqüência e não o objetivo final.

Qual seria o papel do profissional de educação física para mudar esse quadro?
O papel inicial seria de conscientizar a escola e a comunidade escolar como um todo, dos principais objetivos da educação física (formação integral do ser humano, buscando o equilíbrio entre as dimensões cognitivas, afetivas e sociais usando o movimento como peça chave neste desenvolvimento). A escola tem se preocupado muito com as questões cognitivas e esquecido os aspectos afetivo-sociais dos alunos. Poucas escolas investem no desenvolvimento destes aspectos de forma intencional. Geralmente promovem algumas atividades pontuais e o resto fica por conta da casualidade.

O que fazer para difundir mais as modalidades esportivas e fazer com mais crianças tenham acesso ao esporte?
Este é um problema muito complexo. Vou tentar enumerar alguns deles: antigamente os clubes tinham uma função social e promoviam atividades esportivas para a comunidade, desenvolvendo diversas escolinhas nos mais variados esportes. Isso possibilitava um aprendizado mais direcionado aos esportes. Era comum a figura do sócio-atleta nos clubes. Hoje a maioria dos clubes terceirizaram as escolinhas esportivas. O acesso aos esportes só é permitido àqueles que podem pagar as mensalidades.Nas escolas já comentamos o problema em questão anterior.E no esporte de rendimento temos um grave problema de credibilidade e investimentos.O esporte, no meu modo de ver, se apoio em um tripé: o clube (que forma o atleta), o patrocinador (que mantém o investimento do clube nos esportes) e a mídia que faz com que o patrocinador tenha o retorno pelo investimento no clube. No entanto, este tripé em vez de ajudar na sustentação, tem se corroído, pois cada um tem colocado mais peso sobre o outro.Temos visto isso o tempo todo. O Clube com dificuldade de buscar patrocinadores. Os patrocinadores reclamam que não tem o espaço devido na mídia (algumas tevês mudam os nomes dos clubes e fecham o close no rosto do atleta para que não apareça a marca do patrocinador) e as TVs, não divulgando a marca, pois espera um retorno direto para ela conseguindo o capital diretamente de quem poderia patrocinar equipes esportivas.Poderia enumerar aqui outros tantos problemas, mas todos eles seriam decorrentes da falta de uma política para o esporte.

O que você acha de propostas que têm surgido de se investir em modalidades que distribuam mais medalhas?
Acho que seria um caminho errado. Primeiro temos que oportunizar a prática esportiva para todos que se interessem por ela, nos esportes que mais lhe interessarem. Não podemos investir a ordem das coisas. Não podemos pensar no número de medalhas como objetivo final. O número de medalhas deve refletir o desenvolvimento esportivo de um país. Temos mania de inverter o sentido das coisas. Temos ouvido falar constantemente que uma Olimpíada aqui traria o desenvolvimento para o nosso povo. Não é bem assim. Um país desenvolvido é que deve conquistar o direito de sediar uma Olimpíada. O contrário é um sério engano.... Falaram a mesma coisa do Pan e quais foram os resultados práticos em relação às questões sócias? Nenhum! Nem no esportivo tivemos algum avanço.

Você é um amante de todos os esportes, mas é ainda mais ligado ao basquete. Vamos então falar dessa modalidade. Como você avalia a não participação do basquete masculino brasileiro em mais uma Olimpíada?
Na verdade todos nós em relação ao basquete agimos como um torcedor. Queremos estar lá, sofremos para que isso aconteça, mas quando analisamos friamente as possibilidades, acabamos vendo que isso será muito difícil a curto prazo. Não valorizamos as categorias de base. Não organizamos bons campeonatos infanto-juvenis, juvenis e adultos. Centralizamos as boas competições em São Paulo. Não temos um centro de excelência para treinamento de qualidade. Nossos atletas vivem buscando uma oportunidade fora do país. Nossos técnicos não se unem em uma associação para democratizar os conhecimentos na área. Os atletas se omitem na luta pelos seus direitos e na luta por federações e confederação mais organizada. Existe muita omissão dos envolvidos.

O que você acredita que precisa ser feito para o basquete voltar a ser o segundo esporte na preferência nacional?
Primeiro fazer com que as crianças o assistam para poder gostar do esporte. Hoje só temos basquete na TV a cabo e mesmo assim com pouquíssimas transmissões durante o ano. Depois difundir o esporte por todo o país incentivando escolas e clubes à sua prática

Que mensagem você mandaria para atletas, técnicos e dirigentes do esporte brasileiro?
Acredito que técnicos e atletas devem se unir, montar associações e/ou sindicatos, que normatizem seus direitos e lutem por uma união destas duas classes. Hoje nota-se no nosso meio um excesso de vaidades, uma relação conflituosa e silenciosa entre os técnicos. Os jogadores se mantêm omissos em seus direitos, dependentes dos clubes e de dirigentes que se aproveitam deste silêncio para estabelecer relações de dependência que escravizam os atletas. Em muitos casos nota-se a seguinte situação: 'Se reclamar é que não recebe mesmo. Se quiser entre na justiça!'. E com isso os atletas vão ficando sem receber, aceitando atrasos de meses como uma situação normal, e às vezes aceitando acordos onde recebem menos do que deveriam. Se continuarmos omissos, o basquete vai cada vez mais perder espaço. Como ouvi outro dia: 'Não pensem que estamos no fundo do poço. Este poço não tem fundo!'. Acredito que já passou da hora para que providências sejam tomadas, mas enquanto cada um só pensar na sua situação, em pouco tempo não teremos mais situação nenhuma para pensar!

Carlos Fernando Rego Monteiro nasceu no Rio de Janeiro e é Editor do SPORTmania. Formado em Jornalismo, Engenharia e Análise de Sistemas, acompanha variadas modalidades esportivas desde a infância, já tendo escrito três livros: dois sobre automobilismo (Almanaque do Automobilismo e Rápidas Palavras) e um sobre basquete (Morada de Gigantes - Histórias de Araraquara e do Basquetebol da Uniara).
Fonte : www.sportmania.com.br

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